u não sabia exatamente o que esperar daquela visita ao lar de pessoas com deficiência mental. Tinha certos pressentimentos e algumas expectativas. Mas ao conversar com uma das moradoras, eu senti uma empolgação tão grande, porque ela estava ali, confiando em mim e precisava que alguém a escutasse. E eu estava disposta a escutá-la!
A emoção foi forte, eu só fazia olhar para ela com um sorriso no rosto. Lembro que não conseguia desviar o foco, apesar das insistentes sombras que passavam ao nosso lado.
Sem dúvidas, foi um dos momentos mais felizes que vivi. Foi um dia em que aprendi a amar mais um pouco. Senti MUITO AMOR, senti amor por pessoas que eu conheci há menos de uma tarde. E isso não tem preço; deixou um calorzinho muito grande no meu coração.
Achei curioso um velhinho que estava lá, e cantou umas 300 vezes Raul Seixas (e cantou muito bem!). Ele entoava: “Enquanto você se esforça para ser um sujeito normal / e fazer tuuudo igual./ Eu do meu lado, aprendo a ser louco / um maluco total/ na loucura real (…) /VOUU FICAAR, FICAR COM CERTEZA, MALUCO BELEZAA”. Pensa bem, foi uma coisa tão simples (e meio irônico, sem deboche), mas me fez pensar TANTO: “Poxa, a gente se esforça para sermos sempre os melhores, estarmos à frente de todo mundo, sermos um ‘sujeito normal’, e a gente acaba não pensando nas outras pessoas.” Isso é tão triste, porque tira a cor do mundo. Que bom que ganhei cores lá!
Sei que as coisas melhoraram no Lar, mas queria mesmo que elas realmente estivessem bem; não menos piores. Não bastasse o abandono familiar, as condições precárias do lar são de dar arrepios e não é só culpa da umidade e frio dos cômodos. É difícil o sentimento que brota na gente, ao se colocar no lugar dos residentes, que não teriam mais condições físicas e nem emocionais para passar por aquilo. São pessoas que possuem marcas de guerra, de uma vida sofrida.
Mas, irônico mesmo é pensar que a gente vai lá para doar e sai como recebedor. Lindo ver o carinho durante a recepção a tantos jovens. E, a par da precariedade em que vivem, demonstram desapego de seu conforto, oferecendo, mais que depressa, uma cadeira ou espaço num banco para nos sentarmos, enquanto que, alegremente, ouvem músicas e cantam conosco canções de seus tempos.
Cada um do seu jeitinho, faceiro ou mais fechado, demonstrava gostar da nossa presença e buscava chamar a atenção a todo o instante. Mesmo os mais tímidos se empenhavam em superar suas barreiras e interagir conosco. Fiquei totalmente rendida ao carinho daquelas pessoas, e entendi que, assim como a comida alimenta nosso corpo, a solidariedade alimenta nossa alma, e não há nada melhor do que isso.
Percebi que fazemos a diferença na vida daquelas pessoas, que sempre se despedem de nós com um “Vamos esperar vocês!” E já com saudade, a gente tem certeza que vai voltar.
Agora sim, o receio de acompanhar uma ação do Voluntariado se foi! Eu me perguntava se saberia como me portar em uma visita, o que deveria falar,… Mas, quando chega na hora, pode ter certeza, você saberá o que fazer! E conseguimos porque aprendemos com as histórias que escutamos, com cada sorriso, com cada abraço.
O processo é tão transformador, que quando me retirei desse momento, a emoção me invadiu, eu sentia isso, e eu pensava: como me entregar a esse momento? Só sorria, porque, não tinha mais o que eu fazer… Na verdade, eu tinha! Saí e fui cumprimentar e abraçar outros idosos.
Sabe, quando se encerrar meu ciclo de estudos aqui na Liberato, cada vez eu vejo mais claramente, que uma das melhores coisas que a Escola me proporcionou foi esta oportunidade de trazer um pouco de alegria para pessoas tão especiais.
Atitudes como esta, além de nos revigorar a alma, faz rever (pré)conceitos e repensar nosso protagonismo na busca de um mundo melhor. As vivências propiciadas pela participação no Voluntariado da Liberato são grandes lições de vida que recebi e devo isso ao Voluntariado! Tais experiências nos deixam mais sensíveis ao próximo, nos permite tirar o foco do nosso próprio umbigo e olhar para as outras pessoas. Isto transforma nossa percepção quanto a um futuro de mais saúde, justiça e felicidade para todos os seres.
* Esse texto se constitui na primeira experiência de criação de escrita coletiva, por parte dos alunos integrantes da Comissão de Voluntariado Liberato. Frente as suas considerações quanto à importância da prática do trabalho voluntário em suas vidas, seus depoimentos livres, referentes a visita realizada, se tornou a matéria-prima deste texto.
Alunos Autores:
Eduarda Alves, Fernanda Frolich, Gabriel Schmitt, Giovana Moreira, Leandro Schabarum, Leonardo Kremer, Letícia Pereira e Lorena Toniolo Zampetti.
Alunos Organizadores: Eduarda Alves, Giovana Moreira e Leonardo Schabarum.
Coordenadora: Carla Casagrande (Bibliotecária e membro do Voluntariado).
Fotos: Juvan Silveira de Souza (pai da Giovana Moreira).